quinta-feira, 7 de junho de 2012

Linha Verde na bolsa é operação de risco


A conclusão da mais importante obra urbana em andamento no Paraná, a Linha Verde, que corta 22 bairros de Curitiba, vai depender da volatilidade dos mercados financeiro e imobiliário. As obras do trecho norte serão bancadas pela venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A previsão da prefeitura é faturar R$ 1,2 bilhão com os títulos, valor que cobriria a maior parte da intervenção urbanística.
Os Cepacs são títulos que a prefeitura lançou que dão aos compradores o direito de construir na Linha Verde mais do que permite a Lei de Zoneamento. A operação depende de aprovação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Embora reconheçam o potencial da Linha Verde, especialistas ainda encaram essa operação com ceticismo. Uma eventual demora de absorção desses Cepacs no mercado, dizem, poderia colocar em risco os prazos de conclusão da obra. “O sucesso depende dos Cepacs serem vendidos no mercado. Apesar de considerarem uma boa oportunidade, os empresários temem que a operação se torne inviável financeiramente”, diz Fábio Araújo, da Bryan Consultoria.
Esse risco está diretamente relacionado ao preço do Cepac. “Um valor muito alto inviabiliza a compra por parte do incorporador”, diz o consultor. O valor do título é definido pelo próprio mercado, apesar do prospecto encaminhado à CVM pela prefeitura prever preço mínimo de R$ 200 para cada título emitido na Bovespa. A volatilidade da economia, portanto, terá influência direta no volume arrecadado pelo poder público.

Experiência
Em outubro de 2008, por exemplo, a prefeitura de São Paulo, que usa os Cepacs desde 2004 para bancar operações urbanas, conseguiu vender 79.650 títulos da Operação Água Espraiada ao preço mínimo de R$ 535. Quase oito meses antes, os mesmos Cepacs haviam sido comercializados por R$ 1,1 mil.
Para Fábio Duarte, professor de doutorado de Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a operação paulistana leva vantagem em relação à curitibana, mesmo sendo atingida pela animosidade do mercado. “A venda de Cepacs funcionou bem em São Paulo porque já havia uma pressão do mercado para adensar regiões como a Água Espraiada. Não sei se o trecho inteiro da Linha Verde terá essa mesma voracidade do mercado.”
A demanda do mercado curitibano para a região é uma incógnita, segundo Eduardo Schulman, diretor da Top Imóveis, empresa especializada em empreendimentos corporativos. “O Cepac não é o problema e sim o mercado. O primeiro leilão deve ser um sucesso, mas tenho dúvidas de quanto o mercado vai absorver no futuro”, argumenta. Ainda não há data definida para o lançamento dos Cepacs na Bovespa, já que a operação ainda depende da aprovação da CVM, o que deve ocorrer ainda neste mês.
Durante o período de análise da comissão, os agentes envolvidos na operação não podem dar declarações públicas sobre a operação, sob a justificativa de que podem influenciar o mercado financeiro. Por isso, a prefeitura de Curitiba preferiu não se pronunciar.
Prefeitura prevê cenário otimista
Estudo de impacto ambiental elaborado pela prefeitura em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Eco­nômicas (Fipe) analisou os cenários possíveis para a operação dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) da Linha Verde de Curitiba.
Segundo o documento, entre 2005 e 2010, a participação da Linha Verde no total de Área Construída Adicional (ACA) concedida via outorga onerosa ficou entre 6% e 13%. Entre 2006 e 2008, porém, esse porcentual foi nulo. Já em 2011, a fatia da região nesse bolo passou para 36%, o que levou a prefeitura a encarar com otimismo a operação dos Cepacs.
De acordo com especialistas, é exatamente a demanda por ACA que definirá o sucesso da operação de vendas dos Cepacs na Bolsa de Valores. “Caso todo o potencial construtivo de um terreno já tenha sido usado, outros incentivos por parte da prefeitura podem gerar superinvestimentos. Mas temos de ver como o mercado vai absorver isso”, diz Eduardo Schulman, diretor da Top Imóveis, empresa especializada em empreendimentos corporativos.
No cenário considerado pelo documento como “moderador”, no qual cada Cepac será vendido por R$ 200, o porcentual de participação da Linha Verde no “mercado” de outorga onerosa passará para 30%. Já no cenário otimista, classificado pelo documento como o mais provável, a fatia é de 35% e o preço sobe para R$ 300.
A análise do cenário otimista é corroborada por André Marin, diretor da PGD Incorporadora. “Com o Cepac, o incorporador terá mais suporte de que haverá melhorias na região. Temos três empreendimentos na Linha Verde e o VGV [Volume Geral de Vendas, instrumento que mede o potencial de receita do empreendimento] geral foi superior a R$ 300 milhões”, afirma.
“Cepac é perverso”, diz docente da USP
Apesar de ser bem recebido pelo mercado imobiliário, o Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac) não é bem visto por João Sette Whitaker Ferreira, professor de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Na opinião do arquiteto, a lógica de financiamento por meio de Cepacs prioriza operações urbanas onde há interesse do mercado em detrimento de áreas menos atrativas e que demandam investimento público.
“A operação urbana submete o planejamento público à lógica dos interesses do mercado. Nunca teremos uma operação na periferia, porque ninguém vai querer construir metragem adicional nessas regiões. O Cepac é a oficialização da especulação imobiliária”, critica.
Ferreira ainda reclama do argumento utilizado pelas prefeituras para justificar a escolha dos Cepacs como forma de financiamento de operações urbanas. “O argumento de que o setor privado está financiando a obra é perverso, pois o governo só está arrecadando com aquela área porque ela já tem infraestrutura capaz de assimilar o aumento construtivo.”
Impacto
Segundo estudo de impacto ambiental da prefeitura de Curitiba, a população dos 22 bairros cortados pela Linha Verde deve aumentar 65% nos próximos 30 anos. A população deve passar de 82 mil para 135 mil habitantes em 2040, em caso de sucesso dos Cepacs. Em caso de insucesso da operação, o crescimento deve ser de apenas 3 mil moradores.

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